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"Vivo Abril com esperança renovada, com fome e sede de presente e com ânsia de Futuro!"

Intervenção nas comemorações oficiais do 49.º aniversário do 25 de Abril em Condeixa-a-Nova, pela representante do Bloco de Esquerda, Gisela Martins:

Senhor Presidente da Assembleia da Municipal e respetivos membros da Assembleia Municipal.

Senhor Presidente da Câmara Municipal, Senhoras e senhores vereadores, 

Ilustres Convidados, 

Caras e caros Concidadãos,

É precisamente na qualidade de cidadãs e cidadãos comprometidos com o exercício de uma cidadania ativa que hoje aqui nos reunimos para honrar a memória histórica e coletiva do povo português! Porque um País sem memória é um país sem futuro, é nosso dever relembrar os factos e homenagear todas e todos os que naquela “madrugada fresca e Leda”, e nos períodos que a antecederam, arriscaram as vidas em favor de uma causa maior: o fim da ditadura fascista de Salazar e Caetano e a subsequente conquista da paz e da democracia.

Foi o espírito insurreto e livre aliado ao pensamento crítico e aos valores da fraternidade e igualdade que permitiram alcançar o sonho outrora sonhado e sempre adiado.  Eis que se fez a revolta de Abril, a Revolução dos Cravos, encetada pelos capitães de Abril mas que só foi possível com o apoio massivo dos populares porque afinal: o povo é sempre quem mais Ordena!

Quero, antes de mais, prestar homenagem às mulheres de Abril! Às heroínas esquecidas da Revolução que não pegando em armas apoiaram os maridos e companheiros, participaram ativamente em comissões de trabalhadoras, apelando à união para forçar as entidades patronais a negociar melhores salários e melhores condições trabalho. As mulheres coragem que acolheram, nas suas casas, figuras que faziam oposição na clandestinidade, esconderam e encaminharam para outras paragens mais seguras, os que eram procurados pela PIDE. Mulheres que “tiveram de trabalhar por dois, passaram miséria extrema, humilhações sem nome, viveram a angústia mais profunda. Foram verdadeiras sobreviventes. Mulheres corajosas, mães sacrificadas, filhas dedicadas e heroínas esquecidas”. A todas elas a minha profunda gratidão porque foram elas as pioneiras da revolução feminista (ainda em curso) em Portugal!

Dada a escassez do tempo da intervenção, manda a prudência, que não vos venha relatar as inúmeras conquistas de Abril! Tendo o auditório o conhecimento histórico, e até vivencial, limito-me a exortar todas e todos a persistirem na defesa aguerrida da Constituição da República Portuguesa (baluarte da nossa democracia e uma das mais progressistas leis escritas, e em vigor, no mundo) que nos seus artigos inscreve o seguinte: 

- Incumbe ao Estado, o dever de assegurar condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, da etnia, da orientação sexual, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais e reconhece o direito ao trabalho, sem qualquer distinção ou discriminação. 

- Consagra ainda outros importantíssimos direitos que são garantia de igualdade e de promoção de justiça social, como o direito à habitação, à saúde, à educação, à proteção social ao longo do ciclo de vida, à cultura, à participação social, cultural e desportiva.

Não posso falar de Abril com saudosismos bacocos e intervenções bafientas! Também não quero fazer discursos eloquentes! Quero convocar todas e todos a uma profunda reflexão e ao desenvolvimento de pensamento crítico sobre o significado da palavra Liberdade e se a vivemos de facto!

Cantava Pedro Barroso:

Há quem te chame Loucura,

Quem te chame falsidade,

Há quem te chame aventura

Eu te chamo: Liberdade. 

Não sabendo em que verso nos enquadrar, vivo Abril com esperança renovada, com fome e sede de presente e com ânsia de Futuro! 

Acredito que volvidos 49 anos somos hoje confrontados com a urgência de uma nova insurreição popular que exija políticas públicas que concretizem os direitos consignados na Constituição para que estes possam ser efetivamente usufruídos por todos nós, deixando de ser aspiração para passar a ser prática comum. 

E prossigo questionando:

Será que vivemos em Liberdade quando somos governados, a nível macro, por um sistema capitalista que sobrevaloriza a alta finança, e a lógica dos mercados, subalternizando questões prementes como a crise climática ou as questões humanas e sociais (de que são exemplo as crises dos refugiados)? Quando assistimos a revivalismos imperialistas a que o mundo responde com lógicas altamente militaristas relegando a via diplomática para um segundo momento?

Será que vivemos em Liberdade quando nos impõe, à escala europeia, o cumprimento de metas orçamentais e patamares de dívida que obrigatoriamente se traduzirão numa diminuição da capacidade de resposta a questões de natureza social? Quando somos governados por uma política monetária crescentemente restritiva, com efeitos na economia e finanças públicas nacionais?

Será que vivemos em Liberdade quando, internamente, existem pessoas sem acesso a uma habitação digna, sem médico de família e cuidados de saúde de qualidade, sem condições igualitárias no acesso à educação ou sem igualdade no acesso à Justiça? 

Será que vivemos em Liberdade quando um jovem altamente qualificado não consegue arranjar emprego (ou quando tem é precário) ou quando um dos nossos velhos não consegue aceder aos cuidados de que necessita e ter um fim de vida condigno, sendo muitas vezes condenado ao abandono e isolamento, porque aqueles que dele podiam e deviam cuidar não têm condições para o fazer por falta de direitos ou remuneração?

Não. Indo à génese da palavra que deriva do Latim libertas, -atis, de liber, “homem livre” por oposição ao escravo, não vivemos em Liberdade!  

Diz a canção que “Só há Liberdade a sério quando houver a Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação… e prossegue … Quando pertencer ao povo o que o povo produzir!”

Acrescentaria: Só existirá Liberdade a sério quando se erguer um país com políticas públicas que focalizem na humanização, no valor da pessoa e na supressão das suas necessidades.  Quando conseguirmos a tranquilidade de que o nosso lugar na sociedade não depende da competição com outras pessoas, mas sim da autodeterminação, do que queremos ser e do respeito por essa escolha. 

Viveremos em Liberdade quando erguermos um país que permita a todas e todos termos uma VIDA BOA traduzida numa casa confortável, trabalho digno e bem remunerado, serviços públicos de qualidade. Quando conseguirmos acabar com toda e qualquer forma de discriminação nas suas diversas facetas (étnica, racial, de género, sexual, religiosa). Quando conseguirmos assegurar a igualdade no acesso à justiça e uma justiça que não diferencie em razão de classes económico-sociais ou cargos. 

Viveremos em Liberdade quando conseguirmos cumprir a ética republicana! Quando a gestão da coisa pública for feita com a máxima transparência e por pessoas de inquestionável verticalidade e honradez que não sucumbam de forma alguma a qualquer tipo de tentação de poder, autoritarismo ou premiação da corrupção.  Pessoas que coloquem o bem comum acima de todo e qualquer interesse de ordem pessoal ou de grupos.

Dir-me-ão alguns de vós, face aos recentes acontecimentos à escala mundial, nacional e Local, que são objetivos utópicos. Percebo perfeitamente o argumento mas não nos resignemos…

“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos e ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

E termino,

Abril passado conquista, Abril presente exigência e luta, abril futuro vitória. 25 de Abril Sempre!!!